Salam,
Passeando pelo mundo informativo virtual garimpei um blog que preciso dividir com vocês. Esse blog faz parte do arsenal de blogs da minha querida revista BRAVO!, e o cara responsável por críticas e comentários magistrais é o Alexandre Vidal Porto, um paulista que considera-se cearense , graduado em direito pela Universidade de Harvard.
O blog é o Elemento Estrangeiro e é um bloco de deliciosas críticas sociais, tendo muita das vezes a arte como referência.
Hoje vou falar de uma polêmica e grande fotógrafa, tendo como ponto inicial um texto publicado por Vidal.
"O moralista François de La Rochefoucauld (1613-80) dizia, em sua Máximas, que a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude. Descrita, assim, nesses termos, a hipocrisia poderia parecer algo positivo, como o elogio que se faz a um princípio ou a uma ação dos quais não somos ainda capazes, mas que admiramos e pretendemos imitar.
No entanto, quase sempre, o que se vê da hipocrisia é seu lado nocivo. Frequentemente, ela se apresenta como instrumento que um indivíduo utiliza para afirmar a superioridade moral ou ética que não possui. Essa utilização mentirosa da hipocrisia, porém, não ocorre apenas em nível individual. Pode também que contagie as instituições e passe a fundamentar políticas de governo, como um falso valor civilizatório, imposto, sem qualquer traço de legitimidade.
Penso nesse aspecto nocivo da hipocrisia ao ver pessoas indignadas com a possibilidade da legalização do aborto, quando qualquer mulher rica que engravide, se assim o decidir, poderá abortar em um das centenas (milhares?) de clínicas especializadas que pululam no Brasil. Ou quando se opõem à legalização do consumo da maconha, por exemplo, sabendo que milhões acendem seus baseados, nos melhores bairros do País, sem que nada lhes possa acontecer. Ou, ainda, quando se suspende uma exposição de arte (vem-me à cabeça a exposição da Nan Goldin, boicotada pelo Oi Futuro Flamengo), sob alegação de que agride valores familiares, ao mesmo tempo em que violência doméstica e hipersexualização, mesmo que lamentáveis, sejam fatos cotidianos da vida no Brasil.
A rica pode abortar em uma clinica. A pobre que tome abortivos por conta própria ou se vire com um cabide de arame útero adentro.
O rico pode relaxar com seu baseado em sua poltrona de couro desenhada por Charles Eames. O pobre maconheiro que se humilhe no cimento frio de uma delegacia de polícia.
Suspenderam a exposição da Nan Goldin no Rio de Janeiro? Não tem problema. Veja as fotos dela no MoMA quando for a Nova York nas férias.
Esse tipo de hipocrisia generalizada transforma os pobres em bodes expiatórios e os obriga a um padrão de comportamento social que os ricos não têm necessidade de manter. Também evita que o Brasil se torne um país mais justo. Mas, para muita gente, é justamente essa a ideia. O conservadorismo é confortável. A melhor coisa é que tudo continue como está, e que não se deixe perceber que as limitações humanas são as mesmas, quer se esteja em Manhattan, no Complexo do Alemão ou no Leblon."
( Não conte para ninguém que eu sou hipócrita, Porto, Alexandre Vidal)
Bom, Nan Goldin é uma fotógrafa americana, que traz em sua bagagem polêmicas, escândalos, sucesso e reconhecimento. Prova disso é ter recebido do jornal "The New York Times" o título de "a mais influente dos últimos 20 anos". Sua primeira exposição - que aconteceu em Boston, no ano de 1979, foi baseada no universo dos gays e transsexuais de sua cidade, e convenhamos, falar e principalmente expor fotografias que retratavam uma classe tão marginalizada e discriminada era, e como falado no texto acima, ainda é tabu.
No decorrer de sua carreira Nan permaneceu documentando cenas de nudez, sexo explícito, homossexualidade, uso de drogas, e toda a subcultura underground da juventude americana.
"Goldin não assume uma postura voyeurística ou sentimental. Através da intimidade e do afecto em relação aos seus temas, a autora revela a sua velnerabilidade, bem como a sua própria admiração pela sexualidade e encanto assumidos. Goldin fotografa a vida directamente. A sua atenção centra-se na família alargada constituída por amigos e amantes - as pessoas que a rodeiam, partilhando os mesmos prazeres e sofrimentos. É o fio da navalha: um mundo clandestino de vidas duras, abuso de drogas, amor, sexo, sobrevivência, violência e omnipresença da morte. As fotografias de Goldin não são deliberadas, mas sim semelhantes a instantâneos de um álbum de família e é este realismo e estilo despretensioso que torna o seu diário fotográfico num registo fiel e comevedor da sua vida."
(O século Prodigioso)
Nan acredita que sua obra -vista por muitos como transgressora ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em vigor no Brasil desde 1990 — fala de "afeto e relacionamento humano".
Vejo que o trabalho de Nan carrega consigo a responsabilidade de defesa e libertação de uma classe quase sem voz. Quando penso em Nan, lembro de Harvey Milk. Lembro-me da luta para ser ouvido, para ser notado e respeitado. O trabalho de ambos possibilitou e possibilita que muitos saiam da escuridadão dos becos e sajetas e possam andar pelas avenidas travestidos de si. Humanos, carnais, amantes do eu, e ainda assim respeitados. Que possamos abrir nossos olhares e amar as diferenças, além de respeitá-las.
Bem maior que as polêmicas Nan torna-se mais humana a partir do seu trabalho:
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Femme Fatale (self-portrait), c. 1972 Gelatin silver print 22.8 cm x 16.5 cm Harvard University Art Museums Database, Massachusetts |
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Roommate with teacup, Boston, 1973 Gelatin-silver print Edition 8/18, 19 7/8 x 15 7/8 inches Guggenheim Museum, New York |
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Ivy with Marilyn, Boston, 1973 Gelatin-silver print Edition 11/18, 19 7/8 x 15 7/8 inches Guggenheim Museum, New York |
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Nan one month after being battered, 1984 Photograph on paper 695 x 1015 mm Tate Gallery, London |
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Misty and Jimmy Paulette in a taxi, NYC, 1991 Photograph on paper 695 x 1015 mm Tate Gallery, London |
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Nan Goldin, Edda and Klara Belly Dancing (1998) |